quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Antônio quer queimar o telefone

O stress era grande. Como em todo projeto a correria e as várias tarefas em paralelo tomavam as pessoas por completo.

Natural nestas fases, muitos acabam por dar expediente em dois locais, no escritório central onde realizam as atividades do dia a dia da companhia e no prédio do projeto. Para facilitar a localização era normal redirecionar os ramais pessoais de ambos os locais, ora de um para o outro, ora de outro para um.

Em um dos setores do projeto ficavam os dois colegas do time fiscal. Certo dia, pela tarde, Marcos teve que ir até o escritório central dar conta das atividades cotidianas, deixando o Antônio em viagem solo no projeto.  Naquele dia Marcos se esqueceu de ajustar o redirecionamento de ramal, fazendo com que toda ligação destinada o escritório onde estaria fosse direcionada para seu posto no projeto, ao lado de Antônio.

Os papéis se acumulavam na mesa, no computador várias janelas e aplicações abertas.  Do outro lado da sala víamos que Antônio estava compenetrado e envolvido em seus afazeres, testa franzida entre interjeições e interrogações.

Em certo momento, precisando falar com Marcos, tratou ele de ligar no escritório central, que ficava do outro lado da Avenida.

Neste mesmo momento toca o telefone na mesa ao lado, onde Marcos sentava. Antônio espicha e inclina a cabeça, pensa, mas conclui que deve seguir na sua ligação deixando o telefone ao lado tocar. Três toques depois, irritado com aquela insistência, desiste de sua ligação. Levanta-se, vai até o posto vazio do companheiro para atender ao chamado. Ao tirar o fone do gancho e dizer alô percebe que ninguém responde, haveria alguém do outro lado da linha?

Contrariado, mas conformado, retorna para sua mesa e novamente liga para Marcos no escritório central. Como que por mágica, imediatamente o telefone na mesa ao lado toca. Precisando resolver sua dúvida Antônio está disposto a não interromper sua empreitada e insiste na espera.  Do outro lado ninguém atende, mas o barulho ao lado o faz perceber que assim como ele alguém insiste, três, quatro, cinco toques. Antônio irritado com a sinfonia abandona sua ligação e levanta-se para atender o telefone do amigo na mesa ao lado.

Já com a voz alterada, manda aquele ALÔ de oficina mecânica. Sem resposta emenda:
- Alôoouuu... este malcriado mudo não fala ou desligou de novo na minha cara?

Do outro lado da sala, imaginando o que se passava, nós observávamos aquilo tudo por sobre as divisórias, nos recolhendo para rir atrás dos computadores.

Mas Antônio não estava disposto a desistir, agora era uma questão de honra. Retorna a sua mesa, puxa a cadeira de forma mas ríspida com a postura que move os homens decididos.  Rapidamente ele estapeia um dos papéis que estava sobre o telefone, tira-o do gancho e batuca o número do ramal desejado quase quebrando as teclas. Se pudesse daria uma cotovelada em cada daqueles números malditos. Que manhã estúpida!

Ouve sinal de chamada. Não acreditando ele escuta o ramal de Marcos na mesa ao lado tocar simultaneamente.  Pensa onde poderia estar o companheiro: imagens de cafezinho, tapinhas de corredor e risadas largas já desenham a cena que o deixa ainda mais “p” da vida.

Olha para o teto em sinal de pedido de iluminação por paciência. Contudo se mantém impassivo e focado em seu objetivo. O ramal para o qual ele liga no escritório central chama, chama, chama... e ninguém atende. Já o ramal ao lado toca, toca, toca... “que cara insistente – pensa”.   Balança e coça a cabeça em desacordo, até parece que vai arrancar alguns fios.

Do outro lado da sala, nós já estamos em lágrimas, alguns já sentaram no chão para conter as cãibras na barriga quando de repente Antônio bate o seu telefone como que para enterrá-lo em uma cova e feito um goleiro se levanta, pula na mesa de Marcos agarrando o telefone. Ouvi-se um Alô em dolby stereo.  Do outro lado o silêncio é quase um sinal de morte.

Sem entender “lhufas de pitibiribas” do que se passava e, imaginando a grossura alheia de deixá-lo novamente falando ao vento, desiste de tudo e com passos pesados se dirige ao andar de baixo do prédio para tomar um café.

Imagina com desaprovação a falta de Marcos e quem seria o babaca que não respondia:
- Só faltava agora virar o cafezinho na minha camisa branca...


Paulo

2 comentários:

  1. Muito boa a história, Paulo! Me fez rir e lembrar de várias outras muito engraçadas do mundo coorporativo.

    Abraço,

    Luc

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  2. A possibilidade de situações hilariantes no ambiente de trabalho é uma das melhores compensações que uma empresa pode oferecer. Parabéns por sua iniciativa, Paulo. Abraço fraterno.

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