Extraido de email enviado de Singapura em Fev 2004
Caros amigos.
Pouco tenho escrito e enviado e-mails. Meu notebook está com a fax/modem “queimada”.
Plano de trabalho acordado com cliente, mala arrumada, passagem,
trâmites burocráticos e estadia fechada para os meses que virão. Então, semana
passada aterrissamos em Singapura tendo por informação apenas o trivial sobre o
país e a cidade: uma pequena, moderna e rica ilha ao sul da Malásia.
Eis que chegamos ao destino, 32 horas depois da partida, 10 horas de
fuso de diferença e uma dor na perna que não sei o quanto se deve ao voo ou a
idade.
No aeroporto, apesar de discreta, já notamos a preocupação com a SARS
monitorada por um sistema sensor de calor corporal. Na imigração somente
mulheres fazem o controle. Viva a desigualdade de oportunidades. Em geral as
mulheres são mais compreensivas o que me deu mais esperança de obter o visto de
entrada sem aquela “cordialidade” típica da imigração americana.
Dito e feito. Tudo foi muito fácil e simples. Até balas estavam lá
oferecidas ao visitante, o que já aproveitei para disfarçar o gosto de
fuselagem.
O clima equatorial não nos deixa esquecer do calor e da umidade
constante e do generoso verde das avenidas ladeadas de árvores de copas largas
e coqueiros. A ilha realmente é muito moderna, o que não deixam dúvidas seus
edifícios.
A influência britânica é notória seja ela nos ônibus de dois andares, no
volante do lado direito ou no noticiário esportivo recheado da primeira liga do
futebol britânico. Claro, talvez por isto Singapura ainda não tenha uma boa
seleção nacional. Assim nunca irão aprender direito.
Tudo aqui é muito organizado, seguro e limpo com exceção das poucas
“praias” que nada verdade inexistem. Guimbas de cigarro e plástico não se
encontram nas ruas, mas facilmente nas tristes e poucas areias daqui.
Possuir carro por aqui não é uma ideia que possamos chamar de econômica.
Eles são caríssimos e existe um pedágio eletrônico que funciona no horário
comercial nas áreas mais centrais. Todo carro tem um equipamento eletrônico que
funciona com um smartcard o qual é debitado e que pode ser recarregado em
postos, ATMs e em qualquer loja, desde que seja a 7-Elevem (!).
O transporte público parece bom e o taxi tem preços razoáveis. Claro
sempre desconsiderando a conversão para o Real. Os impostos são baixos, a economia
parece saudável com muitas empresas de Tecnologia e eletrônicos. O porto,
recheado de containers, denuncia a vocação de Singapura como um dos mais
importantes hubs da Ásia.
Agora o que não se perdoa é o preço da cervejinha que faz qualquer jantar
mais etílico parecer um banquete. E isto entristece a gente por demais.
Difícil identificar o singapurense. Aqui é uma babel de orientais,
chineses, malaios, indonésios, japoneses, indianos, árabes e por assim vai. A
população fixa é de cerca de 3 milhões e, acreditem, uma parte flutuante 2
milhões O inglês é uma das línguas oficiais mas muitas vezes você não entende
nada do que estão falando. Eles falam o SinEnglish, um inglês com
toques locais, mas o pior são os chineses. Como já tinha confidenciado a
alguns, me sinto o jipe da Nasa passeando em Marte.
A gripe do frango ainda não chegou por aqui mas ao menos nos jornais
locais toma sempre a primeira página e quase todos os dias. Assim sendo tenho
evitado galinha da região (sic).
Sir Stanford Raffles, o patriarca da Singapura moderna, dá nome para
tudo: hotel, rua, shopping, busto na praça etc. O Hotel que estamos tem em
torno de 1200 aptos, localiza-se na Stanford road, tem o codinome Stanford e
faz parte de um complexo chamado Raffles City. No local se encontra um central
de metrô, um segundo hotel chamado Raffles Plaza e um shopping de mesmo nome.
Do outro lado da rua um belíssimo hotel de fachada vitoriana datado do
século 19 e que é um dos mais tradicionais do país. Nome? Raffles Hotel. Zonão
aqui é proibido, de tal sorte que não tenho esperança de encontrar nenhuma
blasfêmia ao tão nobre Sir Stanford.
Ontem fomos conhecer um local chamado Fisherman’s Village. Descobrimos
que ele ficava no Pasir Ris Park. Para chegar lá passamos por uma
avenida chamada Pasir, uma rua chamada Pasir e uma outra dezena de ruas
numeradas Pasir drive 1, Pasir drive 2 etc. Perto do escritório onde
trabalhamos existem as Clementis avenue, Clementi road 1, Clementi road 2 etc.
Começamos a desconfiar que este negócio de nome é uma mania local.
Não há do que se queixar da civilidade daqui. Domingo pela manhã,
correndo pelo vazio centro financeiro da cidade, o sol e a umidade castigaram
minha já debilitada forma física. A versão hight-tech da arquitetura
de concreto, vidro e aço dos edifícios imensos e um rio de dimensões pequenas
compõem a paisagem.
Ao largo, uma rua repleta de bares hora vazios. Defronte, senhores a
beira do riozinho realizam uma improvável e tranquila pescaria. Um casal de
turistas ocidentais namoram e escolhem as melhores poses para as fotos enquanto
uma velho acomodado em um cilindro de concreto perde seu olhar no rio.
Expectador desta cena toda poderia até cair dentro do rio que provavelmente um
submarino nuclear a espreita poderia aparecer do nada e me resgatar.
Contudo é impossível não notar uma falta de identidade local, talvez
muito motivada pela sua juventude e característica global. Outra possibilidade
é a parcialidade de nossa visão ocidental e latina, ignorante das diferenças
culturais do oriente. Mas observando cuidadosamente, com raras exceções, não
sentimos a alma que a história empresta as casas, aos prédios e as pessoas.
Pelo que ouvi sofrem dos quase-vizinhos australianos a mesma
desconsideração que os americanos reservam “carinhosamente” aos mexicanos.
Em Singapura a racionalidade regra e a mudança é tão veloz que fica
previsível em si mesma.
Sua vocação é estar conectada a quase tudo no mundo todo.
Por causa disto seus barcos ancoram menos do que viajam.
Paulo
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