Singapura Fev 2004.
A vida a trabalho fora do país é uma mistura de
sentimentos, inúmeras barreiras e oportunidades. Aqui relato uma rica
experiência cultural em uma cidade singular.
Baobab é a uma das mais emblemáticas e majestosas
árvores da savana Africana, também conhecida com árvore da vida, vive por
centenas de anos. Senhora e testemunha das épocas que transcorrem a sua sombra,
impávida, mesmo que lhe cortem o tronco, as suas raízes insistem em crescer e
dar-lhe vida novamente.
Paradoxalmente na quarta-feira de cinzas fui
ter meu primeiro contato, ao vivo, com a música Africana, mais precisamente de
Dakar no Senegal.
Munido de várias boas referências e do gosto
pela novidade comprei o ingresso para assistir e ouvir a Orchestra Baobab: 10 senhores da melhor estirpe
negra que misturam ritmos africanos e cubanos. O nome Orchestra pode dar a
falsa impressão de que eles entram de smocking e tocam sentados com toda a
cerimônia que a uma orquestra convém. Não, definitivamente não é o caso. Eles
vestem batas brancas até abaixo do joelho e alguns dançam todo o tempo. Chico
César já disse: “deve ser legal ser negão no Senegal...”
As melodias predominantemente são dançantes,
mas existe também espaço para os vocais intensos e alguns lamentos. Sim, nada
mais originalmente africano que o Blues.
Descaradamente copiando do programa que apanhei
na entrada, posso confessar minha total ignorância em não saber a diferença
entre o Jola, Manjak, Mandika, Balanta e Português-Creole.
A melodia do Obaobab, além da veia Senegalesa,
passeia por tons do Buena Vista Social Club - Compay, Ibrahim Ferrer, Omara
Portundo - Célia Cruz.
A música do grupo revela algumas passagens e
paisagens que lembram boleros e músicas do caribe as quais desde pequeno
escutava na radiola lá de casa embalado pelos discos do pai ou das cantilenas
da mãe na cozinha.
Por um momento até a vocalização de Pena Branca
e Xavantinho e um lamento caipira pairou no meu ouvido. Tudo bem, eu confesso
que tomei uma cervejinha antes de sentar e saudoso do carnaval as
possibilidades de conexões se potencializam.
Por falar em frutos da pátria amada, o Gilberto
Gil vai se apresentar por aqui em Março. O anúnio no folder nos enche de
orgulho, merecimento da beleza das suas canções. No jornal de sexta-feira o
anúncio na capa do caderno cultural: “Brazil’s Minister of Sound”.
Eis que no sábado estava eu dirigindo pelas
canhotas como um autêntico inglês quando na rádio anuncia o show vindouro do
Gil e um aperitivo por conta disto. A música começa e já de saída o detalhe:
quem a cantava é Caetano Veloso. Ao final o sujeito com dificuldades tropeça no
nome dá música e insiste nos detalhes reforçando o convite para show do Gil. Ao
volante, quase causo um desastre entrando na mão errada.
Após duas horas o show do Baobab terminou.
Anexo ao teatro e as margens do rio Singapura, já com a alma alimentada, fui
dar satisfação ao meu estômago tão maltrado pela comida chinesa da cantina do
escritório. É a ditadura do chicken, do noodle e do molho de soja picante.
Quando não é um é o outro ou a combinação dos três.
É impressionante, mas no buffet você vai
perguntando e é aquela sinfonia: chicken curry, chicken chopped, chicken sliced
e outros chicken que os parta. Seria uma
perseguição ou Karma? Como se não tivesse bastado a chickenpox, a catapora que
me martelou a cara de buracos nos meses de trabalho nos EUA, me isolando do
mundo por 15 dias.
Voltando as margens do rio, a escolha dentre os
vários restaurantes e as suas mesas a céu aberto é, em total sintonia, por um
bife com molho Cajun se ensaiando de Nova Orleans.
Há dias sinto falta de ti - oh carne de vaca,
vermelha, sem gripe ou tosse de qualquer natureza. Ando de tal forma desacorçoado que poderia
adjetivar a carne de vaca por horas a fio. Mas com ressalvas: eu quero carne sem
aquela profusão de pimenta dos infernos. Vocês não imaginam, mas é de doer. E
aqui não cito passagens filosóficas.
Dias destes comi uma pimenta inteira achando
que era um quiabo. A dentada foi aquela
cheia de naturalidade e confiança. Visto a bobagem e o espanto de todos à mesa,
não me dei de rogado e mandei a pimenta para dentro. Não sei de onde tirei que
ia achar um quiabo aqui deste lado do mundo. Por acaso vocês já ouviram falar
de algum chinês que come quiabo feito mineirinho? Eu também não. Bom, por conta
chorei em dois tempos bem distintos.
Após o jantar, emocionado, elevei a
categoria daquele bife a steak. Tomando por
rumo a saída do anexo do teatro, me deparei com um som familiar no Harry’s Bar
Esplanade, ainda carente de público.
Um grupo de não asiáticos, mas de
origem não brasileira, tocava ao vivo, Jorge Benjor:
“ - mas que nada um samba como este tão legal…
ô,ô,ô,ô,ô, ariá raiou, obá, obá, obá …”
Na quarta-feira de cinzas em Singapura era
noite de Obáobá.